terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Apologia à antropofagia.

[Apologia à antropofagia; ou premissa do apetite antropocêntrico para o direito de todos os animais]

Peixe comendo girino:
Um sapo a menos.

Gente comendo peixe:
Um cardume menor.

Gente comendo gente:
Um músico! Um poeta!
Uma ideia ou um tirano a mais.
Variabilidade genética,
Embates da ética ! ...

Mania desumana de se apropriar
da vida, da cultura e do sexo de outrém,
(nascimento, casamento, suicídio, Amém)
torna, em cada caso específico, se não escravo de fato,
escravo assalariado dependente psíquico de papel moeda; deixam de ser por vintém.

Não!
    Não domestique o outro!
                       Coma-o!
              Não prenda, não aproprie!
                    Almoce referências,
                                 Sem falsas inferências,
                                         nem falsos créditos.
         Busque no outro, não o que sonha, mas o inédito.

        Assim poderemos dizer para Hobbes:
                O lobo não é tão lobo, quando almoça... Quando toma um copo d'água...
         Depois de provar, por A comendo B, que essa falácia não é nada humana,
de apropriar, de ser lobo de si, de tudo quanto definem como premissas...
 
         Viveríamos menos teleguiados pelo porrete,
         Se, em vez de inimigo, víssemos no outro o banquete.


João Gabriel Souza Gois, 30 de dezembro de 2014

Obs: O possível outro título: "Premissa do apetite antropocêntrico para o direito de todos os animais" se deve à algumas conversas em que reparei pessoas a favor do direito dos animais totalmente alheias a perceber que a desproporção pela qual estes sofrem faz parte de um modo de produção onde inclusive os humanos são gado. Enquanto essa premissa não for aceita, e o argumento infantil de "Um cachorro vale mais que um mendigo" for propagado por quem tem raiva do "humano lobo mau" que faz os animais sofrerem, nunca, em termos de políticas públicas levadas a sério, o direito dos animais vai ser considerado se não se percebe que o que limita esses direitos é o mesmo Leviatã Investidor que limita os direitos de tudo que é vivo e espontâneo na face dessa Terra. Sei que essa observação, ou esse possível subtítulo, tem mais a ver com uma discussão isolada do que com o que o poema discute. Mas acho possível perceber onde uma coisa tange a outra. Feliz ano novo!

domingo, 28 de setembro de 2014

Manifesto do Partido dos "Lumpem" Preguiçosos

MilitÂnsia descolorida,
cinza, pragmática, rotulista e pré-estabelecida,
seja revolucionária como os verdadeiros revolucionários e boêmios,
busque a briga, mas não centralize o crédito dos prêmios...
Às vezes agiu mal, naquele velho embate,
porque achou que era coisa de "lumpem" achar que o abacate
é mais símbolo do Brasil do que algumas 'Doxias'.

Antes que me olhe desconfiada do meu peleguismo,
afie a crítica, renuncie o niilismo,
e percorra comigo o abismo criativo para a política
que a envolve na vida, e não no cronograma,
que a não separa por critérios epistemológicos
para soar mais reproduzível.

Pare um pouco hoje, só por hoje esqueça A Grande Trama,
e dance, dance pra valer.
Por maior que seja a estrada militante a se percorrer,
ela nunca será música.
E, desculpe amigo, nessa terra
onde assovia o sabiá,
  [aquele que Tom cantou e a militÂnsia não entendeu nem um milímetro de seu
  [versar.
A Música será sempre mais a identidade da classe trabalhadora
do que um ou outro qualquer arquétipo.
A prova nada científica disso
foi quando ouvi de um trabalhador uma vez:
"Parou o Samba!? Tinha que ser pequeno-burguês!"

O Samba fala a língua do povo.
A esquerda fala a língua da esquerda.

Bamba esse povo, ó Xangô. Bamba.
Porque a corda bamba a que todos estamos
cada vez mais balança
de desconfiança do velho que querem pintar de novo.
E pior: Desconfiança do novo, que apesar de novo, fala de um jeito tão velho,
que nem é lembrado.

Se você acha que arte é para se consumir,
ou apenas para aliviar o árduo trabalho da história,
nós não podemos te aceitar.


O que eu vejo de pré-revolucionário,
nesse fosco cenário,
é a Sexta-feira.
Afinal de contas,
meu sindicato é o Bar.

João Gabriel Souza Gois, 28 de setembro de 2014.

OBS: Isso não é uma apologia, nem um orgulho idiota pela despolitização.
Isso é uma desaprovação de um dos formatos de politização que tantos insistem em dizer que é o único-possível-realizável. Um brinde, Paul Lafargue!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Entendendo o Enigma.

Chorar porque deixou de sentir
É sentir que não sente.
Ora pois, então não minta, pois quando mente
consente que sente tanto
ao ponto de ter motivos
quase sempre emotivos
pra se esconder o que se julga como verdade.

Raridade, nesse estado alienado
de se olhar indiferente e desavisado
com olhos perdidos nos desertos de si,
concluir que foi para si mesmo que mentiu
e revestiu de verdade
essa impossibilidade
que é não-ser enquanto é,
ou seja, mesmo sentindo, negar e fincar o pé,
numa velha ou nova máxima qualquer
que em si sabe que, no mínimo, não cabe.

A vida prossegue,
progressiva só no caos que a rodeia,
e, nesse devir fluente como é no deserto a areia,
mesmo se sentindo morto, se vive, mesmo que negue.

A quem, se vendo aquém, já compartilhou de si para os que o amam
essas coisas que de si (o isqueiro) nos outros (a lenha) inflamam
basta um dia poder escrever, sentindo que deveras mente,
que mentindo deveras sente,
e por mais fingida que essa dor pareça, por conta de,
agora, ao pô-la pra fora, já não presenciá-la tão pungente,
que se vê legitimidade em si, agora, no Tudo que é o presente,
para dizer e perceber, na divina maldição da empatia com tudo que sente,
o quão pouco vale essa falsa conversa com os outros, ná própria mente,
e quão valiosa
se mostra a dolorosa
desvelação de si rumo à nossa desnudez dos dentes.

João Gabriel Souza Gois, 15 de agosto de 2014.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Intimidade

E cá termino eu novamente
choramingando orgulhos
ou calculando compensações.

E cá começo, eu e minha mente,
nossos velhos discursos
para desviar minha lembrança daquele olhar.

Aquele olhar.
Tanto ocorre no mundo,
guerra, praga e amores.
Tanto ocorre no universo
supernovas, explosões, músicas e odores.
E o fenômeno que quero fugir,
é aquele olhar.

Quem em sã consciência
desejaria tamanho infortunio.
Se desviar da coisa mais penetrante,
mas bela e por si só desviante,
com aquele aroma, aquele semblante...
Aquele olhar.

Não canso de me inconformar
com como posso sempre assim me portar,
olhar, desviar e recalcular
cada movimento que podia ter feito
cada garantia que deveria ter conquistado
e, já com o orgulho e a devida explicação
que me custou essa noite
toda a ação que meu platônico palpite carregava
se resumiu em uma fuga de uma foto.
Uma imagem de todo o evento.
A imagem? Aquele olhar.

Ele me queria, mas não me podia.
Ele me comia, mas não digeria.
Ele me contemplava e me afastava.
E tudo quanto posso pensar
para tentar,
em algum âmbito, confortar
o peso do meu pensar
é a arte, a poesia
envolvida naquele olhar.
Ele próprio, o mais importante,
é o que vai me silenciar,
o que vai me consolar,
o que vai fazer todo pesar
de tanto calcular o amor
enfim repousar.

Seu afeto ficou
numa foto, numa memória,
de confessada empatia,
do que resume o que foi esse dia.
O que tanto falei até agora, foi só para não falar.
Tudo que me foi dito
e que de um só jeito se pode revelar:
O meu nada meu.
O nosso, se pudéssemos...
Enfim, o seu olhar.

Por mais circundante e nefasta
que essa poesia pareça,
mesmo soando mentiroso, tolo, fútil e besta...
A verdade é que mesmo não tocando,
                                    [perceber o amor, às vezes, basta.


João Gabriel Souza Gois, 7 de setembro de 2014

Obs: Homenagem a uma brasa que não queima, mas também não apaga.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Indigestão

Comi o mundo.
De longe.
Mas comi.
Com os olhos
eu o engoli.
Cada canto, quero tudo.
Cada pranto! quero mudo...

Mas meu estômago,
jovem e doente,
preguiçoso e imprudente,
matuta em cada pedaço
do mundo
em cada possível e terno abraço
(dois mundos?)
reflexão desmedida,
refluxo, coisa prendida.
prendida.
perdida.
E puxa!
Força!
Não sabe se volta por onde veio,
ou sai por onde não quer.
Não sabe se o difícil é o anseio
ou a deterioração
do que, no instinto da dúvida
e do descobrimento,
meus olhos, com tanto fomento,
empurraram para dentro.

Meu estômago não sabe.
Meus olhos contemplam.
Meus braços balançam por desistirem de tentar alcançar.
Minhas pernas, entre o deleite do olhar
e o sofrimento do não digerir,
dançam sem consciência.

E minha boca canta sem paciência.
E meu cérebro flutua, sem ciência.
E o refluxo do espírito
me derrama fluência,
E a pele do corpo
me absorve influência.

Olhando tal situação,
com sua gulosa inocência,
meus olhos percebem,
antes de qualquer digestão do que vê,
que esse ritual marca a vida:
o movimento que o pensamento não digere,
a verdade que o raciocínio não sugere,
de uma simplicidade que filosofia nenhuma aspire.
Percebem o óbvio:
Viver é verbo.
Para começar, é simples, inspire.

Para que essa mistura de orgãos
desconexos que sustentam ideias não se esqueça,
basta que se escreva, antes de digerir o que sente...
Aprendemos a inspirar a primeira vez chorando - literalmente.


João Gabriel Souza Gois, 26 de agosto de 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Desencanto

Em cada canto um verso entocado,
em cada língua um universo emboscado,
em cada pranto um choro nunca tocado,
e quando levanto há um mundo a ser explorado.

Não tão romântico na pungência dos versos
e nem tão amigo da verdade e seus critérios controversos,
Apenas respirando a serenidade de viver o orgânico em ação,
e perceber no espírito, a cada novo momento, uma revolução
de tanto levar flechada do próprio orgulho, em vão,
meu peito até procura, um novo olhar, belo e pertinente à questão.

E a fumaça, o fluxo, a fluência e a boemia,
o espírito, a praxis, as intermitências e o dia a dia,
revelam em si e através de si o que para si realmente importa
e, ainda assim, completo e fluindo,
ouço, do entorno, um ruído,
e mais leonino, com menos pranto,
sigo firme como prego na areia,
fluido como discretas cachoeiras,
porém perante a referência d'outro momento, lamento ou alegre canto,
transpareço, hoje, nem tão perplexo
mas o reflexo
faz o aparente - talvez o menos pertinente - destacar desencanto.

João Gabriel Souza Gois, 12 de agosto de 2014.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Noitiva

Brilhos da noite cantam sem fumaça.
e meus açoites reencarnam na carcaça.
Ferido em volta de uma questão eterna,
Sorrindo embriagado, sozinho na caserna.
À vida! Ávida dúvida se brindo ou não.
Amiga, nossa perigosa e saborosa brincadeira de mão.

Vagalumes artificiais,
Montanhas aritméticas,
Silenciam no barulho suprimido,
E me mostram - com eu me encarando sem comprimido,
a cidade, e suas possibilidades que animam
e destroem qualquer esperança.

Simplesmente me pego sem mim,
ou, complexamente só comigo,
e o que meu cérebro, sem exaltação,
percorre nos horizontes dos pensamentos
pouco transcorre em ação solidária aos sentimentos;
E do lirismo potencial, da dor metafísica e existencial
o poema não existe antes da poesia,
e no meu imobilismo animal, meu amor pela mística e carnal
musa, a música não existe antes do silêncio.

Esses monstros descansam nos rostos adormecidos da multidão.
Esses monstros renascem a partir da aurora e do reinício
                                           [do vício desse hospício de produção.

Milhões espremidos em panela de pressão,
e eu, tão preocupado com os outros,
me curvo em mim, egoísta sem ambição,
e ambiciono tanto no coletivo,
coleciono tanto sendo nada ativo,
que o remorso urbano de querer ser sempre novo
e acordar como sendo si-mesmo de novo,
me leva a percorrer essa imagem estática na varanda,
ver sua beleza mórbida, concreta savana,
e descobrir entre flores de asfalto,
entre exageros pelo olfato,
pela drogadicção contínua de Fosfato,
que entre eu e os fatos,
há uma estrada de indecisão.

E não é que pela disposição
de luzes nesse cenário urbano,
o que há de mais melancólico em meu coração suburbano
sorri por resguardar em si mais um "Não".


 João Gabriel Souza Gois, 2 de Julho de 2014

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Demagogia

Aqui estou sem mim.
Agora sei como fazer o que devo,
e como dever o que não faço mas não vivo sem.

Veja bem,
não me leve a mal,
Já começo justificando
E opondo açúcar e sal
em dicotomia
para dizer com uma sinceridade
de quem se reconhece em sua própria demagogia:

A arte virou um discurso.
Esta sempre em mim, a acaricio mas não crio intimidade.
A política virou um discurso.
Está sempre em nós, mas em mim não encarna de verdade.
A verdade virou uma distância,
daquelas medidas com números imaginários, onde cada estimativa
não tem ponto para se perder.
Eu virei um discurso distante,
E você, um já pronto, facilmente crível,
passivo e passível
de ser reproduzido pra mim mesmo,
para não mentir, me consolando, o que cada nova paixão
nunca foi como foi o que conheço por amor.

Até o espírito!
Esse que só enxergo em arquétipos culturais,
em situações intensas e carnais,
que se revela mais espirituoso quando sabe que é corpo também,
esse que com o carnaval se dá tão bem,
até o espírito virou um discurso, nem tão elaborado,
do que eu fiz ou falo para sentir abençoado.
Mas abençoado em retórica, não em dança.
Abençoado só por vagas horas, não nas lembranças.

E não é que até mesmo a verdade, que é distância imensurável e inacessível,
nesse mundo não dicotômico de se assumir si mesmo e não se suportar,
existe em convicção mas não em fato, e quando se apresenta contém
língua, palavra e convence sofismas na sedução do falar bem.
Até essa puta paga chamada verdade,
não nega a mentira incrustada em cada discurso que uso para acariciar meu comodismo.

Grito alto, amo vários e não amo nenhum,
Grito baixo, pois só ouço a mim e ninguém me ouve,
Filho, macho, e já definido por outras palavras e codinomes.
A lingua que me liberta no poema, me prende nos termos,
nas aparências.

Onde quero chegar?
Chego aqui,
e afirmo pra mim:

Hoje choveu em São Paulo.
Choveu esperança e perspectiva,
Vejo o caos criativo sair da palavra,
E, do jeito que emerge, sair à vida ativa.
Mas e em mim... Sou tão egoísta assim?
Em mim que não chove mais,
em mim que não queima,
em mim que demora,
em mim que tanto teima,
em mim que o tempo e os tijolos abstratos da linguagem
fazem comício,
permitem o hospício,
mas não permitem sequer uma dança.
Onde assim pode haver esperança?

Vivo, me sinto mais eu e menos nós.
Vivendo, em prol do eu, me perdi em nós.
Vivências no Sol, em Mim, de Ré e por algumas Dós
me limpam do que a linguagem vicia
mas não vejo onde se reinicia
o que eu fazia tão bem em momentos de epifania:
A Contemplação seguida de silêncio,
A sensação sem palavra, de se expandir, de se sentir imenso.


João Gabriel Souza Gois, 23 de maio de 2014

OBS: Contemplação

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Anarchowissenschaft II

Mistura-se meu pêlo aos tecidos.
Meu orgulho à madeira.
Minha ambição à argamassa.
Meu desprezo à fumaça,
e sempre com juros, nunca de graça,
em coisa me transmuto.

Misturam-se as prioridades aos departamentos,
minha submissão aos estamentos,
a gasolina aos meus tormentos,
pela coisa que me tornei, me posiciono.

Agora, o Shopping já é meu templo.
Agora, como edifício me contemplo,
e, em trabalho perdendo meu tempo,
sou o que faço, coisa que faço,
deixo de ser agente do momento.

Mistura-se meu sexo ao gozo virtual,
mistura-se minha libido ao ilegal,
as dádivas da natureza ao crime,
e, como coisa, nada além do trabalho me redefine
e me inclina a uma nova forma, nada sublime,
de coisa diferente, mas ainda coisa.

Toda essa gente com opinião me lembra tijolos,
que parecem coesos mas despedaçam,
toda essa oposição me lembra barbantes,
que, nem os amantes vivos laçam,
e facilmente se embaraçam, só para barbantes se manterem,
mesmo que sem utilidade.

Misturo o que sou a minha utilidade,
reduzo o que crio à funcionalidade,
e nisso tudo, sendo coisa, objeto, me falta arte,
lirismo e anarquismo para limpar o materialismo
com que me defini.

De cá pra lá e de lá pra cá não mudei,
pois o plano de fundo me fetichiza em mercadoria,
e minha dor e rebeldia são resolvidas com produtos da psiquiatria.

O que pode ser um novo belo que me tire do patamar da coisa?
Uma nova política que de coisas trate?!
Erguer mais um novo-velho e material estandarte?!
E minha liquidez de matéria fluida que não cabe nessa infra-estrutura
morrerá por submissão dialética da cultura?

Sem um novo belo, o que chamamos de líder maquiavélico,
O homem lobo de si, não pode morrer.

Ah, amigos, não há revolução sem dança,
não há novos amores, sem novas transas,
não há novas criações sem novas idéias,
então, evolua você, evolucionista carcomido,
para tirar ensinamentos não mais da matéria, mas do espírito,
e perceber que sem uma nova beleza, a utopia não se renova em novo norte.

Acredito sim que a matéria é por si só forte,
mas o corpo não é só feito dela,
e os fenômenos que os vários espíritos, 
das várias maneiras de ser humano exprimem,
os olhares ocidentais, materiais, e analíticos reprimem.

Empírico em perigo,
li isso em algum lugar.
Se a nova proposta política, não tiver nova proposta estética,
nem adianta recomeçar a caminhar,
pois no novo ordenamento, o ideal-norte se enxerga da mesma maneira,
o belo do mesmo jeito que já era. Material como tudo nessa Era.

Se querem finalmente que as pessoas sejam pessoas,
e as coisas, coisas,
entendam que as pessoas agem além das coisas,
e o ciclo vicioso e virtuoso da mesma análise,
que não basta, apesar de pertinente,
(há renovação além da revolução permanente)
pode cessar para dar abertura,
não a uma nova-velha ditadura,
mas à pluralidade.

João Gabriel Souza Gois, 03/04/2014

Obs: Esse poema não é bem uma continuidade do Anarchowissenschaft, mas, na verdade, uma atualização. Que fique claro que, diferentemente do que já me posicionei, não me considero só anarquista, nem só marxista (sim, já oscilei em duas certezas aparentemente inconciliáveis). O que poderia soar mais contraditório a todos, principalmente às linhas da esquerda que exigem coesão e posicionamento definido, é, ao meu ver, o mais sensato. Consigo perceber contribuições ao meu pensamento em ideologias que, na hora da prática, entram em conflito. Percebi, há muito, que minha influência marxista é, em milhões de aspectos, maior do que a anarquista. Mas sempre serei o que lembrará da parte que o anarquismo complementa, em relação a pluralidade humana, que, implicitamente, muitos que se consideram marxistas desviam de maneira ortodoxa, dando centralidade sempre aos embates clássicos de boa parte da esquerda. Desde minha relação com o Candomblé, a minha maior dificuldade com as mais diversas filosofias contemporâneas é seu vício na verdade como valor. Existe um vácuo de linguagem e intervenção cultural que é preenchido, malemá, por setores menos materialistas, tanto de antropólogos por aí a fora, quanto por anarquistas convictos (não os intransigentes, e, sim, os abertos ao diálogo. Garanto que eles existem). A dificuldade está em perceber que, para além da revolução proletária ou das reformas de base, existe uma crise "espiritual" do ser humano, que mesmo tangindo os vários problemas materiais que percorrem por nosso tempo, envolve algo que começou com propostas de intevenção como as de 1968. Como anticapitalista, não posso dissociar esse problema das condições materiais presentes, de maneira alguma. Mas, antes mesmo da consolidação desse sistema, e mesmo durante seu fortalecimento nos anos mais vergonhosos de desigualdade, essa crise não se mostrou tão forte. Se, de alguma maneira, mesmo com aumento das desigualdades desde Thatcher e Reagan, houve avanço no campo dos direitos sociais durante todo o século XX, porque a humanidade do século XXI é lider em esquizofrenia, depressão, crise de ansiedade e etc.? O que de tão sagrado existia, desde os valores humanistas gregos, religiosos da idade-média, ou na liberdade civil/política do início da idade contemporânea, que sumiu do horizonte? Será que a libertação, só nas condições materiais, traria um novo belo? Eu creio que, antes de esperar o "fim da história" para comprovar, além da continuidade da corrida pelos direitos que nos são negados pelo capitalismo financeiro, precisamos construir, com nossas mãos, um novo conceito estético. Antes que seja tarde demais. É verdadeiro que a proposta desse conceito não está formulada (mas esse é o ponto, não deve ser, não por um único indivíduo), o problema maior não mora aí, na falta de concretude do conceito, mas sim na escassez do debate em relação a ele por quem mais deveria estar fazendo. E mesmo assim, as formas contemporâneas de protesto e de ocupação já mostram uma estética muito diferente, por exemplo, quando assumem uma posição frente a força do capitalismo global mas relacionando esse ativismo com o espaço, criando um convívio não só pela posição e pela identificação com programa, mas pela mesma vontade de viver na cidade sendo artista de rua ou morando em família, sem as privações que o alto custo de São Paulo e a obrigação às atividades produtivas impõem. Sou otimista com as novas propostas de se firmar frente ao absurdo que é a exploração cada vez maior que, com eufemismos, somos obrigados a engolir. E, apesar dessa crítica do poema à pequenez com a sensibilidade estética e com a pluralidade que muitos ortodoxos do marxismo reproduzem, eu sou tão simpático ao marxismo quanto ao anarquismo. Independente do que marxismo e anarquismo signifiquem hoje, nas muitas maneiras que temos que, capilarmente, estimular em todos que são engrenagem para o sistema uma consciência que, em termos de posicionamento e comportamento, eles adaptarão esse conhecimento da maneira que mais lhes convém, ambos ocupam posições centrais para essa noção e convívio, Permitindo relação com espaço, com a arte, em diversas intervenções e ocupações urbanas ou lutando por pautas clássicas contra o congresso conservador. Ambos contribuem. Por terem preocupações diferentes, cada um preenche uma parcela, na luta política e simbólica, da importância de se permitir que toda a potencialidade humana seja despertada e não assassinada ou fadada ao trabalho excessivo. Esse germe e as diferentes estratégias combinadas, têm muito a frutificar nos embates contemporâneos.

Obs2: Poema escrito após ler o prefácio e introdução de "Ajuda mútua: um fator de evolução" de Piotr Kropotkin.

sexta-feira, 28 de março de 2014

O Mercado vai ter que ceder à preguiça

   Há um debate muito forte nos dias atuais, no que concerne ao rumo dos direitos sociais. Há um movimento de garantia desses direitos em busca de uma equidade para além da igualdade dos direitos civis (estritamente individuais) e para além dos direitos políticos - garantidos, apesar das mais pertinentes críticas, de maneira progressiva, sem desconsiderar suas intermitências, do século retrasado para o atual. Ao mesmo tempo que a força produtiva decai - com o envelhecimento já presente nos países "desenvolvidos", e o envelhecimento latente dos "em desenvolvimento" - os compromissos assumidos na corrida pelos direitos sociais no século XX geram pressão para a assistência social - se não para algo muito mais radical que isso. Há pouco espaço para inovação política no caráter publicitário, demagogo e de classe das eleições das democracias modernas e a crise de representatividade é, após a crise de 2008, mais forte do que nunca no mundo. Esse impasse, entre uma população que cada vez mais clama por direitos sociais, e uma realidade econômica que cada vez mais perde força produtiva, parece não possuir solução. Em termos práticos, realmente não há: A conta da previdência e dos serviços públicos essenciais fica mais complicada de fechar com a diminuição progressiva das forças produtivas e, por conseguinte, com a queda da arrecadação fiscal. A crise de representatividade se mostra, não só nas ebulições sociais com as mais diversas, contraditórias e radicais pautas, mas também na sensação de insegurança em relação à garantia dos serviços públicos que as crises generalizadas do mercado globalizado - aliados a uma ortodoxia econômica amante da austeridade - fragilizam.

  O cenário todo pede inovação. Os poderosos todos a temem. Existem soluções práticas que, excluídos todos os interesses da disputa política, amenizariam a tensão da questão. Mas essa solução vai contra todo o movimento econômico predominante (tanto de interação dos agentes econômicos, quanto na leitura condicionada por universidades liberais de economia, como a da USP). Primeiro porque influi mais ainda na ideia de intervenção estatal na economia, algo mais razoável de se considerar antes da impregnação dos conselhos da dupla dinâmica Thatcher e Reagan no ideário econômico mundial. Segundo porque geraria um custo financeiro alto, não ao Estado ou à sociedade civil, mas ao novo, artificial, financeiro e monopolista Deus sucessor do Deus anterior, que, como bem disse Nietzsche, está morto. O novo Deus mercado.

Como resolver de maneira eficiente, por exemplo, o problema do desemprego gerado pelas crises e ainda estimular, de um jeito que nenhuma garantia de ampliação da cidadania do século XX conseguiu, maior tempo (e interesse) à participação política, à cultura, ao conhecimento ou à outros meios de investimento/de obtenção de renda, sem, por um ou outro itinerário, reduzir as horas de trabalho semanal? Se existem soluções, nessa questão, que excluam essa determinação, elas desdobram-se em custos sociais ou no orçamento do Estado. Praticando-a, o custo dessa mudança pesará majoritariamente nos ombros do mercado.

Há muitas críticas que poderiam ser apontadas à essa ideia de redução das jornadas de trabalho, que partem unicamente da origem religiosa - e não científica - do capitalismo, que naturaliza o consumo e o trabalho como fonte de enriquecimento moral. E essas, como bem assinalou Weber, calvinistas, não entram no debate como argumentos palpáveis para políticas públicas. Mas há outras com uma preocupação pertinente: o que ocorreria ao sistema econômico como um todo, se, via coerção, essas jornadas fossem reduzidas de uma hora pra outra, senão um colapso em série de empresas (principalmente pequenas e médias, estimulando o monopólio dos grandes empresários)? Há ai uma avaliação interessante, que nos volta às contradições das soluções dos problemas contemporâneos. A maneira mais interessante de estimular o pleno emprego, que estimula mercado interno e consumo, que por sua vez torna menos dependente a economia nacional do cenário mundial, traz como consequência imediata, uma crise local no próprio mercado interno.

Eu não insistiria na necessidade de diminuir as jornadas de trabalho, se esse problema imanente dessa política engolisse o próprio propósito que a concebeu. Mas há uma leitura implícita no modo de se enxergar a economia, cheio de pressupostos metafísicos da natureza humana, que sustenta essa crítica. De fato, a redução das horas de trabalho aumentará o custos das empresas, e as menos estáveis (justamente as menores, com mercados mais estreitos e justamente as que mais empregam no Brasil) serão as mais prejudicadas. Mas há também, a partir da redução, um aumento significativo do número de empregos. Via decreto, de maneira intransigente, essa redução causaria sérios problemas. A partir de um programa de políticas públicas bem dirigido, que acompanhe os anseios do mercado, e que procure, através das realidades diferentes de cada setor produtivo/consumidor, fazer essa reforma trabalhista de maneira gradual, que tivesse sim suas consequências, mas que evitasse trazer todas, em todos os setores, de uma vez. É preciso, junto à isso, existir um fundo público que injete dinheiro, ou pelo menos gere estímulo fiscal, nas pequenas e médias empresas lesadas, tanto para tapar a desigualdade perante as grandes corporações como para estimular mais concorrência e menos monopólio, amenizando, do jeito menos danoso à economia nacional e aos direitos dos cidadãos, os impactos mais severos da inflação - diferentemente do plano real que ruiu a industria nacional e facilitou a importação para atingir um índice de inflação razoável.

Obviamente que se há a real a intenção de se cortar pela metade a carga horária sem a redução do salário, só a magnitude da proposta já traria uma grande resistência. Mas, uma vez iniciada essa política, com esse tipo de intenção combativa, a opção mais preferível seria indução de cooperativas e de vários pequenos proprietários, priorizando a via do estímulo fiscal, do que apenas a livre e pura "injeção de capital em pequenas e médias empresas". Aliás, outras várias maneiras de conceber esse estímulo podem existir, com claros critérios de redução do monopólio, desde que se permita, reconheça e repense os erros dessa política antes ou enquanto ela gera externalidades piores que seu propósito. (Existe uma enorme diferença entre uma política econômica que, priorizando outros meios, ainda assim insira estímulos na iniciativa privada e o péssimo trabalho que o neoliberalismo vêm fazendo, pois se o foco desse estímulo privado forem as maiores geradoras de empregos e menos oligárquicas, ou seja, as pequenas empresas, a tendência seria, indiretamente, de uma maior distribuição de renda - o oposto do que o neoliberalismo gerou). Se a disputa política já torna difícil a redução de horas de trabalho sem redução de salário, ela também tornaria difícil que, via Estado, alternativas mais interessantes recebessem prioridade perante as de caráter puramente privado, ou seja, novamente: cooperativas ou, no caso de setores estratégicos e de alta necessidade de investimento, a estatização. Isso não exclui o fato de que essas opções alternativas devam ser a prioridade do que a iniciativa privada, mas, como setor produtivo atuante, principalmente as pequenas empresas têm também que, em alguma medida, serem reguladas por esse mesmo fundo ou política fiscal. Em outros termos, seria estimular o que o filósofo Vladimir Safatle chama de única coisa boa do capitalismo: a concorrência; visando estímulos maiores nos modos de produção que pudessem sugerir uma nova cultura econômica mais pautada na distribuição do que no crescimento.

O que, no cerne, é extremamente reformista, frente às possibilidades de nossa conjuntura e às outras reformas que implica para tornar essa redução de carga horária possível, se mostra extremamente revolucionário. Primeiro porque, para haver esse fundo que amenize as consequências diretas das reduções na hora de trabalho, seria necessário, antes de tudo, uma reforma tributária que permitisse condições materiais para sua concretização. Segundo porque, para haver essa reforma tributária que possibilita todo esse projeto, seria necessária uma reforma política com participação popular (não as pré-estabelecidas pelos já viciados, tanto nos privilégios do poder, como nos mecanismos de leitura de conjuntura).

Os únicos seriamente lesados, em ultima instância e no longo prazo, caso toda essa hipótese de política pública fosse posta em prática seriamente, incluído o fundo regulador, são os monopolistas do mercado financeiro. É o alto escalão do mercado. É o lobo de Wall Street. E eles reproduzem apenas austeridade, tornam universidades de economia mercadológicas e reprodutoras de conhecimento, levando-as ao limite da inutilidade para saída desse dilema e, após tornarem o Estado capacho de seus erros, o obrigando a assumir suas dívidas, retoma a passos lentos a economia, gera fuga de capitais em países "em desenvolvimento" e não arruma a bagunça gerada nas mais diversas conjunturas afetadas pela irresponsabilidade do individualismo econômico desenfreado.

No Brasil, por exemplo, desde Junho de 2013, de alguma maneira o desconforto foi mostrado na rua. Ele segue em menor escala nas manifestações contra a Fifa dispersas e ainda assim nacionais. Mas, ao mesmo tempo que essas pautas únicas e apartidárias apresentam boa resposta no que diz massificação e vitórias políticas, elas alegorizam o problema em ícones específicos, e cegam boa parte da opinião pública da interdependência que esses problemas têm em relação a um jeito de se pensar a economia, e um jeito de ser fazer política econômica. Mesmo sabendo dos abusos da Fifa - principalmente nos pontos que fere o Estado de Direito - o brasileiro se esquece que os juros que devemos ao mercado financeiro faria muito mais escolas e hospitais do que o dinheiro gasto na realização do evento. Tanto na dificuldade de encontrar a saída necessária para conciliar direitos sociais e impasses produtivos, quanto na raiz dos problemas que parecem isolados, o mercado se sobrepõe-se e impõe-se, se não oficialmente, subliminarmente, como principal responsável.

Mesmo que o futuro do nosso Estado, com a luta da sociedade organizada e não-organizada, se torne algo mais democrático e poroso, se não nos unirmos pelo fim da limitação que o mercado impõe à nossa capacidade de imaginação e criatividade política, todas as soluções advindas serão meramente cosméticas e fisiológicas. Em algum momento, principalmente nos mais caóticos que parecem emergir no horizonte contemporâneo, para haver adaptação social e institucional de todo o planeta às contradições do nosso tempo, o mercado vai ter que ceder. Em algum momento, os capitalistas perceberão que a saída pra nosso problema do nosso tempo não está no trabalho tão divinizado como foi até hoje, com seus horários definidos e seus compromissos exaustivos, mas no direito à preguiça.


João Gabriel Souza Gois, 28 de março de 2013

Obs: O Direto à preguiça é um livro escrito por um anarquista francês, de origem negra e cubana chamado Paul Lafargue, que se casou com a filha de Marx. .

Obs2: Um assunto um tanto diferente, mas que linka com o potencial e importância que a preguiça (ou melhor, para tirar o que há de pejorativo na palavra, o tempo para a vida pública) tem nesse texto, é o que trata um vídeo sobre economia que, apesar de tratar de um assunto diferente e de pesquisa econômica, reafirma a necessidade da autonomia e do tempo livre, num tom um tanto quanto publicitário, para melhor interação humana. (Link do vídeo)

Obs3: Algumas edições foram feitas dia 28 de setembro de 2014, com intenção de esclarecer alguns pontos em relação ao fundo regulador. Se assumir de esquerda e escrever algo que, em algum ponto diz: "o estado injetará dinheiro na iniciativa privada" parece, além de contraditório, nada novo. Mas há uma diferença fundamental entre o que ocorre hoje de fato e essa proposta que aqui trago: Hoje o Estado injeta só no mercado financeiro, ou seja, na "economia fantasma", mais de 40% do orçamento público com os gastos da dívida pública - ou seja, torra sem opção nem direcionamento. A proposta que trago - apesar de inacabada por não ser ainda uma política, mas um norte pra uma política pública - é muito mais republicana, no sentido etimológico da palavra. A intenção é apenas equalizar - e não engordar! - a consequência de uma outra política com outro fim que não só econômico, gerando condições que permitam a continuidade da economia dos empreendedores mais produtivos, menos monopolistas e só o faz por ser essa a responsabilidade do Estado; Que nem quando se vai construir o metrô e paga pelo terreno desocupado oficialmente - ou deveria pagar. E o estímulo - ou melhor, a compensação - tem, no que falei por iniciativa privada, o seu estrato mais baixo representado, ou seja, o constituído principalmente pelos empregadores menos exploradores (em teoria), a dos menos monopolistas. Minha proposta consiste em amenizar uma externalidade gerada pela própria política do Estado, e fazer isso via estímulo, com critério precisos como remessa de lucro mensal, por exemplo, pra saber se o estímulo é bem-vindo e, se for, em que proporção será dado. O que está estabelecido hoje é drenagem do dinheiro público por um setor improdutivo e monopolista: Os bancos. Isso, de estímulo, custaria muito menos que nossa dívida interna hoje custa. E não valeria a pena esse custo político, se essas horas livres se direcionassem única e exclusivamente pro entretenimento consumista. Porém, um urbanismo que pense no direito à cidade, um combate a especulação desnorteadora do planejamento urbano e políticas públicas realmente interessantes na área de educação e cultura seriam muito amplificadas com esse tipo de redução da carga de trabalho. Seria mais um ponto a se tocar, dentre todos que deveriam estar sendo tocados conjuntamente com ele para trazer o efeito esperado. No fim a interdependência é a única verdade: para tocar nesse assunto e ver relevância nele, deveríamos já estar num patamar sem dívida interna, ao menos almejando reformas de base e confrontando o interesse dos maiores lobistas. Ainda assim, por mais longínquo que pareça tudo isso que eu ponderei, acredito que essa reflexão contribui porque ninguém, quando relaciona envelhecimento da população e problemas com gastos públicos, inova em paradigmas ou consegue sair do problema eterno - ou como no exemplo das pautas ambientais - justamente porque não confrontam o "Culto Ao Dogma Neoliberal" que define o crescimento, e não a distribuição, como critério pra "progresso humano". O fato é que esse velho critério-PIB, junto com a cegueira generalizada no pensamento econômico desde os anos 80, só fez destruir a coisa pública e aumentar a desigualdade - e, consequentemente, a violência, abaixar o IDH e distorcer todas as coisas que, diferentemente do crescimento, incidem DIRETAMENTE sobre todos. O crescimento, quando muito, é percebido indiretamente, ou seja, é muito sugado antes de beneficiar a maioria da população.
~ A alteração no texto é, na verdade, uma inclusão: O 6º parágrafo é inteiro novo assim como essa observação.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Fado

Queria escrever um poema,
mas dessa vez sem meandros, fissuras e dilemas,
apenas uma construção - talvez vazia -
criada ao se brincar de poesia.

Queria escrever sem nada dizer,
fazer do Parnasiano um ainda mórbido ser,
e imitá-lo, não na rigidez da estrutura,
mas só na tentativa de alcançar a beleza pura.

Queria amar sem nada tocar,
não por não gostar de pele, nem de atiçar,
mas só para fazer o que o coração pede
e a cabeça não o deixa fazer, pois sua vontade de
                                     [idealizar antecede o que, no amor, se sucede

Queria pousar no idealismo tão absoluto e repleto,
para no fim, depois de amar e me acabar por completo,
virar o clássico pessimista romântico
e me alegrar fingindo que não adianta querer nada.

Nada. Nada. Nada.
Nada na água - sua forma,
e se perde, mas também se reforma,
suspende e flutua, mas nunca se conforma,
E nada no fim, é o objeto da Vontade.

Só queria, queria e queria,
e se assim continuar, quererei por toda eternidade.
Mas quando contemplo o que, numa interpretação, pode ser o 
                        [que buscava naquela primeira e vaga estrofe.
Me entrego - e assim me abstenho - ao que estava preso no cofre
de minhas representações, projeções e vaidades - todos com algum pé na Vontade.

O que buscava, e ainda busco, quer você queira ou não...
A beleza pura para que, junto com a cachaça, haja alguma redenção
no que me destrói e Hegel não via em sua dialética embriagada de razão.

Razão de nada me serve,
eu sirvo a ela,
e nessa convulsionada panela,
de ser escravo da Vontade e servidor da racionalidade,
me cristalizo, sem deixar de ser liquido - não com muita habilidade
                              [ me assumo esse paradoxo (o absurdo em atividade),
e me defino, sem nunca deixar de abrir a possibilidade
de fazer do que há entre mim e o outro
o novo e sintético nós-intermédio... Que supere Sá-Carneio, suspenda o tédio,
e me faça lembrar que, apesar do triste cinza estampado nos prédios
ainda assim é possível sambar por terapia, cuspindo os remédios.

Eu tento. E sou tentado
a tentar extrapolar minha própria estética,
queria, no começo a beleza pura,
Parnasiano sem estrutura,
queria, no meio, ser cético, romântico e pessimista,
mas, já no caminho, isso se perdeu de vista,
pois ele me mostrou - o caminho, não aquela opinião de revista -
que não importa o quanto eu invista,
moderno e liquido como sou acabo escorrendo em mim.
Porém prossigo tendo o nós como norte, como télos (como fim).

E vomito isso, que não sei se é poesia, mas chamo de qualquer coisa assim.

João Gabriel Souza Gois, 15 de fevereiro de 2014.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Óbvio inconspícuo.

Não adianta...
Sou inteiro cooperativa,
competição me destrói por dentro.
Me faz ora ser o falso centro,
ora descrer no meu potencial talento.

Não adianta,
sou inteiro sorriso e dança,
e esse negócio de esperar festança
não é para - nem repara - meu tragar.

Não atrasa,
pois a expectativa me arrasa.
Muito antes que se convide os íntimos à casa,
que façam os corpos o que o pudor disfarça
para não haver exclusão.

Não atrasa,
se quer meu som, me convide à praça,
já que é tão difícil acertar a caçapa,
justamente porque antes do possível sim, o gesto mostrou não.

Amor plural pede tempo,
calor consumo exige pressa.
amor próprio não existe, meu bem,
sem o anteparo-referência chamado outrem.

João Gabriel Souza Gois, 25/01/2014

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pós-moderno.

Ao cansar de ser opaco
o fraco se fez forte.
Mas falta o norte...
Mas falta o norte.

Individualidade, como um barco,
samba no mar da vida, não tomba por sorte.
Mas falta o norte...
Mas falta o norte.

Ainda jorra o sangue,
continuam os caranguejos no mangue.
Mas falta o norte...
Mas falta o norte.

Ainda luta-se mais do que se conquista,
só há descontos e carinhos aos que pagam a vista.
Mas falta o norte...
Mas falta o norte.

Do moderno temos a ciência e nos falta o espírito,
Prossegue o terno, prossegue a desvalorização do lírico.
E falta o norte...
Falta o norte.

Do religioso, some a filosofia,
cresce fundamentalismo e hipocrisia,
Continuamos sem norte,
Sem norte.

Do ver ao ter,
do ter ao depressivo e supérfluo parecer.
A desigualdade aumenta, e a solução é o corte.
Corte de gastos e incentivo a desgostos; projeção de porte.
Distanciamos o norte.
Falta o norte.

Na piscina de gelo que liquidifica
o líquido moderno desliza sem poder parar,
foge pro trabalho, pro culto, ou para o copo ao se embriagar,
E não há norte para se procurar.

Despedida do niilismo negativo,
mas o reativo também tem que cessar...
valores universais para se nortear.
Mais ética, menos vício de moralizar,
mais sentimento público, menos Eu ou Meu Deus,
mais arte, menos escândalo de bordel.
Qual será o formato, em seu conteúdo,
que o moderno líquido - variado
mas também opresso por um padrão -
poderá se apoderar para sair do mar de não,
da luta impossível contra a especulação,
contra o monopólio de mais de um bilhão,
se no próprio umbigo não vê razão
para se conhecer, se explorar,
e se sentindo mais um número, uma conta de site ou de bar,
se deixa explorar, não cria, se faz máquina para operar
no projeto de outrem mais bem adaptado,
ou previamente programado,
para achar que também não é dominado
pela onda nefasta da era das grandes escalas,
de notação científica para mensurar consumo e lixo,
de grandes exemplos e imagens - para o bom e para o mau,
e de maior dor no encontro do singular...

Qual será o formato e o conteúdo

que o fluído e escorrido homem dois mil
se pautará para poder caminhar?
Se já boicotou a vida, mas prossegue com o medo da morte.
Se já aumentou o tamanho da ferida, mas ainda não tem o norte.
Se não tempo na agenda para despedir o fraco e revolucionar o forte.

Não que não haja esquerda ou direita,
as duas ainda se impõe, argumentam, comparecem sem desfeita,
mas é que além da curva estreita, a frente,
há um futuro incerto,
nebuloso deserto,
de multidões - cada vez mais envelhecidas - da nossa gente,
da escassez cada vez mais proeminente...

Desliza no gelo o homem líquido,
precisa de tempo, por isso não tem tempo para o lírico.
Se aliena da falta que faz sua humanidade, com uma incondicional e improvisada moral.
E convém dizer que em refrão faz sua rotina abissal,
enquanto se simula e parece, quando fraco, um Brás Cubas forte.

Mesmo os que encararam o singular e deixaram de ser opacos,
ainda vivem o espírito do tempo
que, apesar de em constante acelerado movimento,
não têm, em seu futurístico descontento, o norte.
Perante esse desbussolado fato
nos desejo sorte.


João Gabriel Souza Gois, inciado em dezembro de 2013, finalizado dia 15 de janeiro de 2014.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Bem querida

Novamente me pego em silêncio desconcertante
quando me abstenho do entorno, e volto a ti em um instante.

Não! Tomara que a luz de nossa lua não seja minguante,
E me desculpe se me recomponho escrevendo tão pedante.

Tanto me atiça seus mistérios de mulher,
que mesmo ignorando minha insegurança, bem me quer.
Logo voltamos à rotina pobre, mal me quer.
O pássaro só é livre por voar quando quiser.

Se bem me queres,
só a vejo comigo livre, assim que se faz linda,
Se mal me queres,
busco outros afagos, outras mulheres,
e ainda assim você não sai de minha berlinda.

Palavras de poeta embriagado,
pouco vivido, muito cantado,
canto de amor esporádico,
que tanto é bom, como sádico,
pois jamais cometeria eu o fático

e bruto erro de negar a ti o que queremos em comum,
mas falta o afago puro - não o constante afago nulo - quando ouço Cazuza, bebum.

Sei, amor, que nessa vida, sempre somos 'mais um',
mas sei também, o medo pode matar corações,
já o amor, os balança, bagunça e distorce,
só mata os corações que idealizaram refrões

de romances saborosos,
mas esqueceram dos embates laboriosos
e prazerosos de ser nós sem deixar de ser eu.


Sei, essa conversa poética

é a minha redenção nada cética
ao que seu sorriso reflete
no meu anteparo olhar contemplativo.

E como poeta e fingidor, não finjo quando digo,

que apesar de errante, vacilante e sem rumo,
minha admiração que agora é sua
me fez querer sair mais cedo, para sambarmos na rua.
Soterrado em minha ingenuidade semi-nua,

adoraria saber se você também viu, hoje, esse coelho na lua.

Fosse eu o que não sou, exatamente o que queres,
Não fosse eu o que sou, piada entre as mulheres,
Não teríamos, a toa, nos encontrado em olhar embriagante,
Não teria eu enfrentado seus sorrisos ofegantes,
para bem saber, que se não estou apaixonado,
estou no mínimo extasiado com a arte que sua existência exala.

Sorriso de menina,
espontâneo e sincero,
quanto mais tenho, mais quero.
Força de mulher,
que já bem sabes da vida,
mas sinto, mesmo menino,
que quando perto, sou eu envelhecido.
Não interessa o quanto as expectativas nos consumam.
Pouco importa se os erros mudam.

O que seu espírito e presença movem,
é a força que mais orgulha o poder jovem.



João Gabriel Souza Gois, 16 de dezembro de 2013



Obs: Para uma menina mulher morena de um sorriso encantador que vem cada vez mais ocupando meus pensamentos.