sábado, 15 de fevereiro de 2014

Fado

Queria escrever um poema,
mas dessa vez sem meandros, fissuras e dilemas,
apenas uma construção - talvez vazia -
criada ao se brincar de poesia.

Queria escrever sem nada dizer,
fazer do Parnasiano um ainda mórbido ser,
e imitá-lo, não na rigidez da estrutura,
mas só na tentativa de alcançar a beleza pura.

Queria amar sem nada tocar,
não por não gostar de pele, nem de atiçar,
mas só para fazer o que o coração pede
e a cabeça não o deixa fazer, pois sua vontade de
                                     [idealizar antecede o que, no amor, se sucede

Queria pousar no idealismo tão absoluto e repleto,
para no fim, depois de amar e me acabar por completo,
virar o clássico pessimista romântico
e me alegrar fingindo que não adianta querer nada.

Nada. Nada. Nada.
Nada na água - sua forma,
e se perde, mas também se reforma,
suspende e flutua, mas nunca se conforma,
E nada no fim, é o objeto da Vontade.

Só queria, queria e queria,
e se assim continuar, quererei por toda eternidade.
Mas quando contemplo o que, numa interpretação, pode ser o 
                        [que buscava naquela primeira e vaga estrofe.
Me entrego - e assim me abstenho - ao que estava preso no cofre
de minhas representações, projeções e vaidades - todos com algum pé na Vontade.

O que buscava, e ainda busco, quer você queira ou não...
A beleza pura para que, junto com a cachaça, haja alguma redenção
no que me destrói e Hegel não via em sua dialética embriagada de razão.

Razão de nada me serve,
eu sirvo a ela,
e nessa convulsionada panela,
de ser escravo da Vontade e servidor da racionalidade,
me cristalizo, sem deixar de ser liquido - não com muita habilidade
                              [ me assumo esse paradoxo (o absurdo em atividade),
e me defino, sem nunca deixar de abrir a possibilidade
de fazer do que há entre mim e o outro
o novo e sintético nós-intermédio... Que supere Sá-Carneio, suspenda o tédio,
e me faça lembrar que, apesar do triste cinza estampado nos prédios
ainda assim é possível sambar por terapia, cuspindo os remédios.

Eu tento. E sou tentado
a tentar extrapolar minha própria estética,
queria, no começo a beleza pura,
Parnasiano sem estrutura,
queria, no meio, ser cético, romântico e pessimista,
mas, já no caminho, isso se perdeu de vista,
pois ele me mostrou - o caminho, não aquela opinião de revista -
que não importa o quanto eu invista,
moderno e liquido como sou acabo escorrendo em mim.
Porém prossigo tendo o nós como norte, como télos (como fim).

E vomito isso, que não sei se é poesia, mas chamo de qualquer coisa assim.

João Gabriel Souza Gois, 15 de fevereiro de 2014.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Óbvio inconspícuo.

Não adianta...
Sou inteiro cooperativa,
competição me destrói por dentro.
Me faz ora ser o falso centro,
ora descrer no meu potencial talento.

Não adianta,
sou inteiro sorriso e dança,
e esse negócio de esperar festança
não é para - nem repara - meu tragar.

Não atrasa,
pois a expectativa me arrasa.
Muito antes que se convide os íntimos à casa,
que façam os corpos o que o pudor disfarça
para não haver exclusão.

Não atrasa,
se quer meu som, me convide à praça,
já que é tão difícil acertar a caçapa,
justamente porque antes do possível sim, o gesto mostrou não.

Amor plural pede tempo,
calor consumo exige pressa.
amor próprio não existe, meu bem,
sem o anteparo-referência chamado outrem.

João Gabriel Souza Gois, 25/01/2014